O Tejo corre no Tejo

Tu que passas por mim tão indiferente
no teu correr vazio de sentido,
na memória que sobes lentamente,
do mar para a nascente,
és o curso do tempo já vivido.

Não, Tejo,
não és tu que em mim te vês,
– sou eu que em ti me vejo!

Por isso, à tua beira se demora
aquele que a saudade ainda trespassa,
repetindo a lição, que não decora,
de ser, aqui e agora,
só um homem a olhar para o que passa.

Não, Tejo,
não és tu que em mim te vês,
– sou eu que em ti me vejo!

Um voo desferido é uma gaivota,
não é o voo da imaginação;
gritos não são agoiros, são a lota...
Vá, não faças batota,
deixa ficar as coisas onde estão...

Não, Tejo,
não és tu que em mim te vês,
– sou eu que em ti me vejo!

Tejo desta canção, que o teu correr
não seja o meu pretexto de saudade.
Saudade tenho sim, mas de perder,
sem as poder deter,
as águas vivas da realidade!

Não, Tejo,
não és tu que em mim te vês,
– sou eu que em ti me vejo!

(poema: Alexandre O’Neill; foto: Gonzalo HY)

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